Crisálida convidou os candidatos à Reitoria a responder à seguinte questão:
Em resposta a esse convite, os Professores Rachel Meneguello e Osvaldir Taranto encaminharam-nos a seguinte “Resposta ao Portal Crisálida”, pela qual agradecemos e que temos o grande prazer de publicar abaixo, renovando nosso convite a outros candidatos e a todos os professores, estudantes e funcionários a participarem desse debate e a se posicionarem por escrito a respeito.
Agradecemos ao Portal Crisálida por haver suscitado o debate sobre esse tema crucial. Para apresentar as formas de enfrentá-lo, tecemos, antes, algumas considerações preliminares quanto ao conceito de sustentabilidade.
A definição corrente de sustentabilidade deriva da Declaração da Conferência da ONU, em Estocolmo, 1972, a saber, “o atendimento das necessidades das gerações atuais, sem comprometer a possibilidade de satisfação das necessidades das gerações futuras”.
Apesar de sua contribuição teórica e política para a tomada de consciência ecológica na segunda metade do século XX, o conceito requer, hoje, abordagem crítica, sobretudo porque não desestabilizou o antropocentrismo inerente à episteme ocidental, nem o utilitarismo voltado à produção capitalista. Com efeito, tentando aliar as demandas, no mais das vezes irreconciliáveis, da produção industrial e da reprodução das condições da vida no planeta, a noção tem desperdiçado seu potencial inicial, e tem servido, ainda, à premissa da centralidade da espécie humana e do direito que esta se arroga em gerenciar a natureza. Como demonstram as últimas décadas, a noção de sustentabilidade vem se prestando à apropriação utilitarista por práticas produtivas que, em seu âmago, persistem predatórias.
O colapso ambiental, que para alguns se avizinha e, para outros, já avassala o planeta – nos impõe um desafio intelectual muito maior e urgente para o século XXI. Como vêm anunciando teóricos de peso nas mais diversas áreas do conhecimento, a crise exige uma profunda reavaliação de paradigmas e mesmo uma ruptura de ordem ontológica e epistemológica, que possam transformar a produção do conhecimento científico em bases biocêntricas, ou seja, atinentes ao reconhecimento do direito à vida, em todas as suas formas.
Desde uma perspectiva biocêntrica, a relação do humano, enquanto espécie, com outras espécies e formas de existência deixa de ser um tema administrativo, de gestão ou manejo de recursos, passando a se localizar, propriamente, no campo da justiça social e da democracia. É nesta abordagem ampla e biocêntrica que nos engajamos.
A universidade é, certamente, o espaço privilegiado para a transformação e quebra de paradigmas no conhecimento científico. A tarefa prioritária da gestão universitária é a de fomentar e apoiar a formação e a produção do conhecimento comprometidas com novos horizontes, vale dizer, trabalhar em fina sintonia com os grupos inter e multidisciplinares de pesquisa existentes na universidade – além de estimular a formação de novos grupos – que tragam alternativas aos combustíveis fósseis, ao modelo agroindustrial ou aos padrões vigentes de ocupação urbana, entre outros tantos temas a que a Unicamp já tem contribuído e pode contribuir de forma ainda mais decisiva.
Nos campos da formação, da pesquisa e do convívio universitário, entendemos caber à administração central, entre outras medidas:
– implementar a Resolução 02/2012 do Conselho Nacional de Educação com relação às diretrizes curriculares para educação ambiental;
– estimular os temas transversais da ética, da educação e do direito ambientais, em conexão aos direitos humanos, nos cursos de graduação;
– estimular a visão biocêntrica e, especificamente, a aplicação do princípio dos 5R’s – Repensar / Substituir, Reduzir, Reaproveitar, Reciclar e Recusar consumir produtos que gerem impactos socioambientais significativos – em procedimentos e resultados, como critérios para as premiações PIBIC, PAEP, Pq e Zeferino Vaz.
– manter um forum permanente para o debate dos 5R’s, em particular dos métodos substitutivos em pesquisa;
– custear a aquisição programada, em curto prazo, de recursos didáticos alternativos aos modelos vivos, em cumprimento à legislação federal (Leis 9605/08,e 11794/08) e estadual (Lei 11977/05).
– estabelecer atividades culturais e acadêmicas de acordo com o calendário Ambiental Nacional e Internacional, de modo a manter ação constante de conscientização ambiental junto à comunidade universitária.
Uma visão biocêntrica e inovadora deve, ainda, permear as normas internas e as decisões administrativas, notadamente aquelas relativas à gestão dos espaços dos campi.
Desde 1990, a Unicamp é membro fundador da USLF [Universities Leaders for a Sustainable Future]. Em 2015, filiou-se à ISCN [International Sustainable Campus Network], rede de universidades de todo o mundo voltada para a formação de pessoal e para a proposição de políticas universitárias voltadas à sustentabilidade. Um dos compromissos principais da carta de intenções da ISCN é que o respeito pela natureza e pela sociedade integre não apenas o planejamento e a construção de novas edificações, mas também a renovação e a manutenção de todos os prédios dos campi. Nesse sentido, propomos:
– avançar na implementação dos princípios da AGENDA21 nos campi da UNICAMP, adotando as metas da AGENDA ICLEI Local Governments and Sustainability;
– adotar a EcoAtitude proposta pela SEMA/SP, com base no Guia de Boas Práticas Ambientais;
– adotar a A3P – Agenda Ambiental da Administração Pública – que preconiza práticas administrativas baseadas no princípio dos 5 R´s, com ênfase no consumo responsável.
Propomos, ainda, avançar na implantação do Sistema de Gestão Universidade Sustentável da UNICAMP, contemplando os seguintes pontos:
– fortalecer as instâncias técnicas para a proposição de soluções ecologicamente satisfatórias para a renovação e manutenção dos edifícios dos campi e da moradia estudantil;
– ampliar o Programa de Economia de Água e Energia em todas as edificações, com troca programada para equipamentos duráveis e de tecnologias mais eficientes;
– implementar a Política UNICAMP de Resíduos Sólidos recém aprovada;
– iniciar, em diálogo com as representações docente, discente e técnico-administrativa, a construção de um Sistema de Mobilidade, que privilegie a circulação por transporte coletivo e veículos não movidos a combustíveis fósseis.
Com a ampla participação da comunidade universitária, deveremos concluir o Plano Diretor dos campi, com atenção à proteção da flora e da fauna, contemplando:
– ampliar a cobertura arbórea dos campi, bem como tomar medidas de proteção àquela existente;
– estabelecer corredores e passagens subterrâneas para a movimentação segura e livre da fauna silvestre;
– identificar e proteger áreas de nidificação de pássaros;
– oferecer condições aos setores experimentais para o enriquecimento ambiental e bem-estar dos animais em biotérios e laboratórios;
– equipar o CEMA, de modo a consolidar a assistência e encaminhamento emergenciais de animais feridos ou atropelados nos campi, além de campanha de coibição do abandono de animais domésticos, em parceria com o Departamento de Proteção e Bem-Estar Animal do município.
De modo a obter necessária aplicação da legislação ambiental nas decisões administrativas e responder a demandas vindas da sociedade, a administração central deverá incentivar, no âmbito da Procuradoria Geral e da Ouvidoria, a especialização em direito ambiental.
Em conclusão, trata-se de consolidar a atuação da universidade no sistema público de gestão ambiental, em parceria com as instituições federais, estaduais e municipais. Mais do que isso, trata-se de intensificar a pesquisa, o ensino e a extensão na Unicamp, somando-os aos esforços de todos aqueles que, hoje, agem pelo futuro das manifestações variadas da vida.
Campinas, Janeiro de 2017
Rachel Meneguello e Osvaldir Taranto, Candidatos à Reitoria da UNICAMP